PROPRIEDADE: CASA DO CONCELHO DE ALVAIÁZERE
DIRECTOR-ADJUNTO: CARLOS FREIRE RIBEIRO
DIRECTOR: MARIA TEODORA FREIRE GONÇALVES CARDO
DIRECTOR-ADJUNTO: CARLOS FREIRE RIBEIRO

Albuquerque e a mulher de César

31 de Janeiro de 2024

Acabamos de entrar no ano em que a democracia portuguesa assinala 50 anos de existência, com altos e baixos e as dores de crescimento próprias de um sistema político que, não sendo perfeito, dispõe dos mecanismos e instituições indispensáveis para assegurar a sua continuidade e aperfeiçoamento.

Os princípios fundamentais basilares da República Portuguesa encontram-se enunciados nos primeiros artigos da sua Constituição (CRP), aprovada em 1976, aí se expressando que ela constitui um Estado de Direito Democrático e se baseia na dignidade da pessoa humana e na vontade popular, visando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Entre as suas principais instituições políticas contam-se os designados poderes políticos: legislativo (Parlamento/ AR), executivo (Governo) e judicial (Tribunais), tradicionalmente caracterizados pela sua autonomia e independência – a clássica separação de poderes – a que mais modernamente se costuma adicionar a imprensa livre.

Como as instituições só funcionam com pessoas, é bom de ver que elas são susceptíveis de enfermar dos defeitos e das virtudes inerentes aos seres humanos, o que afecta inevitavelmente a sua performance e os resultados que delas se esperam.

Vem isto a propósito de mais um mega caso de buscas, levado a cabo pela Polícia Judiciária (PJ), no pretérito dia 24 de janeiro, à sede do Governo Regional da Madeira e Câmara Municipal do Funchal, de que resultou, nomeadamente, a detenção do Presidente deste Município e a constituição, como arguido, do Presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque (MA), ambos alegadamente suspeitos de implicação em crimes de favorecimento de negócios e de corrupção.

É claro que, neste como noutros casos antecedentes, a Justiça mais não faz do que cumprir a sua função e dela se espera que o faça com a desejada celeridade e eficiência legal. O que já não é perceptível é que, perante a suspeição de que é alvo, Miguel Albuquerque, atento o cargo político que desempenha, tenha comunicado à imprensa que, apesar de arguido no caso, não se demitiria das suas funções. Ou seja, apesar de suspeito e alvo de investigação num inquérito judicial por alegado crime de corrupção, o chefe do governo PSD da Madeira entende (?) que dispõe de condições políticas para continuar a exercer o cargo político para que foi eleito.

Obviamente que o facto de ter sido constituído arguido não significa que MA seja culpado ou venha a ser condenado pelo crime ou crimes de que está a ser investigado, presumindo-o a lei como inocente até prova em contrário, mas isto não apaga a suspeição que acabou de cair-lhe em cima e que, do ponto de vista político, afecta irreversivelmente a continuidade do exercício do cargo.

Tal como à mulher de César não basta ser séria, precisando de parecêlo, também a MA não chega a sua convicção pessoal de inimputabilidade para se manter em funções, devendo, em respeito a quem o elegeu e à instituição que serve, apresentar a sua demissão do cargo. Por decoro e higiene democrática.

O Primeiro Ministro, António Costa, fê-lo de imediato, em novembro passado, logo que soube que estava a ser judicialmente investigado, sem sequer ter sido ouvido ou constituído arguido.